Nos EUA, a Federal Trade Comission (FTC) reformulou, esta semana, o seu caso judicial contra o Facebook com alegações reforçadas sobre a força dominante da empresa que usa o seu poder para prejudicar qualquer rival que possa ameaçar a sua posição no mercado.
Também esta semana, o serviço de mensagens WhatsApp, propriedade do Facebook, foi multado em US $ 270 milhões pelas autoridades irlandesas pela forma como usa os dados recolhidos de pessoas no serviço, num caso que representa um grande teste para a capacidade da Europa em fazer cumprir a sua lei de privacidade de dados pessoais.
A decisão de 265 páginas é a primeira grande decisão contra o Facebook sob o abrangente Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia, ou General Data Protection Regulation (GDPR), uma lei com quatro anos que muitos criticaram por não ser devidamente aplicada.
Os reguladores irlandeses partilharam que o WhatsApp não deixou claro aos utilizadores que os dados eram partilhados com outras propriedades do Facebook, como a sua rede social principal, e com o Instagram.
Isto é novo: «serviços de redes sociais pessoais»
Voltemos ao processo judicial original da FTC, arquivado pela justiça em dezembro 2020, porque alegadamente a organização americana que tem como missão «proteger os consumidores e a concorrência evitando práticas comerciais anticompetitivas, enganosas e desleais (…)» não conseguiu caracterizar o Facebook como um monopólio.
Um pequeno excerto das alegações do então U.S. District Judge James Boasberg no final do ano passado.
«A FTC não apresentou factos suficientes para estabelecer plausivelmente um elemento necessário de todas as suas alegações (…), nomeadamente que o Facebook tem poder de monopólio no mercado de Serviços de Redes Sociais Pessoais (PSN) (…) exceto a alegação nua e crua de que a empresa teve e ainda tem uma quota dominante no mercado (superior a 60%).»
Reformuladas as alegações, a Federal Trade Comission deu entrada, já em setembro 2021, uma nova e minuciosa explicação sobre o mercado do Facebook, caracterizando a empresa como «serviços de redes sociais pessoais» e explorando as diferenças entre o Facebook e as demais.
Mas o afinal que são «redes sociais pessoais»?
Destaco um excerto do texto original da FTC, que vale a leitura:
«Os serviços de redes sociais pessoais consistem em serviços online que permitem e são utilizados por pessoas para manter relações pessoais e partilhar experiências com amigos, família e outras ligações pessoais num espaço social partilhado. Os serviços de redes sociais pessoais são um tipo único e distinto de serviços online.»
Há três elementos-chave que distinguem os serviços de redes sociais pessoais de outras formas de serviços fornecidos aos utilizadores.Primeiro, os serviços de redes sociais pessoais são construídos sobre um «social graph» que mapeia as ligações entre os utilizadores e os seus amigos, família e outras ligações pessoais.
Em segundo lugar, os serviços de redes sociais pessoais incluem características que muitos utilizadores usam regularmente para interagir com ligações pessoais e partilhar as suas experiências, num espaço social partilhado, incluindo num formato «broadcast» de um para muitos.
Em terceiro lugar, os serviços de redes sociais pessoais incluem características que permitem aos utilizadores encontrar e ligar-se com outros utilizadores, para facilitar a cada um a construção e expansão do seu conjunto de ligações pessoais. O «social graph» também suporta esta funcionalidade, informando quais as ligações sugeridas ou disponíveis para os utilizadores.
Resumidamente e reforçando, há um entendimento que o Facebook se distingue de outras redes sociais porque:
- Tem um «social graph» que apoia os utilizadores a fazer ligações e a partilhar experiências com amigos e familiares, sendo que nem todas as redes socias têm essa característica.
- Muitas redes sociais têm uma rede estreita, altamente especializada, distinta nos propósitos e o Facebook é muito amplo.
- O Facebook usa o algoritmo para difusão ou descoberta de conteúdos baseados nos interesses dos utilizadores e das suas ligações pessoais para fazer recomendações. Redes como o Twitter, Reddit e Pinterest não usam informação das ligações pessoais.
- Em redes sociais para consumo de vídeo ou áudio, tais como YouTube, Spotify, Netflix, os utilizadores usam os serviços principalmente para o consumo passivo de conteúdos específicos de e para uma vasta audiência de utilizadores tipicamente desconhecidos. O caso do Facebook é diferente; estão mais interligados.
- O entendimento da FCT refere que o TikTok é exemplo proeminente de um serviço de difusão e consumo de conteúdos que não tem como base serviços de redes sociais pessoais. Os utilizadores de TikTok veem, criam e partilham conteúdos de vídeo para uma audiência que o utilizador de uma conta pode não conhecer pessoalmente, sem se envolverem pessoalmente com amigos e familiares. O objetivo para o qual os utilizadores empregam TikTok e a forma predominante de interação na plataforma não é impulsionado pelo desejo dos utilizadores de interagir com as redes de amigos e familiares.
Qualquer definição que diga que Instagram é como o Facebook, mas não é como TikTok, é estranha.
Uma coisa é certa: a previsão de crescimento de utilizadores nas redes sociais, segundo a Statista é grande, e o Facebook possui atualmente quatro das maiores plataformas de redes sociais, todas com mais de mil milhões de utilizadores ativos mensais cada uma: Facebook (plataforma central), WhatsApp, Facebook Messenger e Instagram.
No primeiro trimestre de 2021, o Facebook reportou mais de 3,51 mil milhões de utilizadores mensais de produtos familiares de base.
Redes sociais e o novo comportamento do consumidor
As pequenas e médias empresas estão a recuperar o crescimento das vendas, e muitas olham agora para as redes sociais como um ativo mais relevante para os seus negócios.
Para muitos consumidores em todo o mundo, os comportamentos de consumo online e gastos também mudaram.
O Facebook criou uma página específica onde reúne informações sobre o comportamento, consumo e cultura dos utilizadores.
Em janeiro de 2020, a taxa global de uso das redes social era de 49% (Statista). Prevê-se que esse número cresça à medida que mercados digitais menos desenvolvidos alcancem outras regiões no que diz respeito ao desenvolvimento de infraestrutura e à disponibilidade de dispositivos móveis baratos. Na verdade, a maior parte do crescimento global das redes sociais é impulsionado pelo uso crescente de dispositivos móveis.
De acordo com os estudos da Statista, em média, os utilizadores de internet no mundo investem 144 minutos por dia em redes sociais e apps de mensagens móveis. Os utilizadores na América Latina tiveram o maior tempo médio gasto por dia em redes sociais.
Apesar de uma série de controvérsias em relação à má gestão de dados e ao sentimento público menos positivo, é importante acompanhar o comportamento do consumidor especialmente no portefólio de empresas do Facebook.
Quais são as novidades sobre a utilização das redes sociais?
Tempo e atenção.
Embora no mundo inteiro, o Facebook seja a rede mais utilizada, há países que começam a ajustar a agulha.
Nos EUA, a Pew Research Center mostrou que o YouTube (81%) e o Facebook (69%) continuam a dominar o panorama online.
No que diz respeito às outras plataformas do inquérito, 40% dos adultos dizem já utilizar Instagram e cerca de três em cada dez relatam utilizar Pinterest ou LinkedIn. O TikTok é utilizado por 21% dos americanos.
Facebook, redes sociais e a sociedade marginal zero
No livro provocador «A Sociedade de Custo Marginal Zero» de Jeremy Rifkin, o autor explica de que forma a Internet está a fortalecer a produtividade a ponto do custo marginal de bens e serviços próximo de zero ou igual a zero.
Explorei o tema no artigo «O futuro do trabalho e o impacto da tecnologia no emprego»
Ora bem, o Facebook é um serviço digital, com zero custos marginais e zero custos de transação; os utilizadores podem e utilizam a grande maioria senão todas as apps da empresa, e se necessário em simultâneo.
Todos os serviços podem e existem para os mesmos utilizadores ao mesmo tempo, o que faz com que o mercado do Facebook seja, de facto, competitivo.
A concorrência implica rivalidade, ou seja, algum bem que só pode ser consumido por um serviço, excluindo outros, e o único bem rival nos serviços digitais é o tempo e a atenção do consumidor.
Os utilizadores têm apenas um conjunto de olhos e 24 horas num dia, e cada segundo gasto com um serviço é um segundo não gasto com outro (embora, tecnicamente, um utilizador possa estar a ouvir numa app e observar outro conteúdo noutra app e responder a notificações numa terceira plataforma).
Instagram, Snapchat e YouTube estão a tentar imitar o TikTok o mais rapidamente possível, uma resposta competitiva, não monopolista.
A FTC declara que o controlo monopolista do Facebook sobre o mercado de redes sociais pessoais resultou em «preços de publicidade» anormalmente elevados.
Redes Sociais, Facebook e o inventário da publicidade digital
A publicidade digital usa a Internet para entregar mensagens de marketing em vários formatos aos utilizadores na Internet: anúncios em páginas de resultados nos motores de pesquisa, publicidade em redes sociais sob a forma de, por exemplo, publicações patrocinadas, banners publicitários, publicidade em vídeo, classificados. O Facebook tem todos os formatos.
A receita mundial em 2021 está prevista em US $ 463,8 mil milhões e deve crescer para US $ 632,7 bilhões até 2025.
Como talvez em nenhum outro negócio digital, os anunciantes precisavam de adotar revoluções tecnológicas, condições legais e tendências de consumo em constante mudança.
Os anunciantes estão a lutar contra métodos e formatos de publicidade modernos, como publicidade programática ou nativa. No entanto, é exatamente nessa dinâmica que reside a razão pela qual a publicidade digital é um mercado tão cativante.
O inventário de publicidade digital em grandes plataformas como o Facebook é vendido através de um leilão: os anunciantes licitam por impressões; o licitante mais alto ganha e, dependendo do desenho de leilão utilizado, pode ser baseado no desenho de leilão Vickrey-Clarke-Groves que o Facebook emprega ou no leilão de primeiro preço, como a Google.
A maioria das plataformas de anúncios modernas e sofisticadas permitem aos anunciantes licitar por conversões – compras, registos, etc. – versus simplesmente licitar por uma impressão. As plataformas de anúncios utilizam o desempenho da campanha para estrangular a entrega com base em probabilidades calculadas de clique e conversão para qualquer utilizador.
O preço que um anunciante licita no inventário depende totalmente do valor das conversões que são produzidas por essa plataforma.
E o grau em que os anunciantes ganham os leilões depende da concorrência para esse inventário.
Não há razão para acreditar que qualquer anunciante estaria hoje a pagar menos pelo inventário de publicidade na aplicação Facebook, se o Facebook não tivesse adquirido a Instagram ou a WhatsApp.
Dados publicados recentemente do BusinessInsider e MediaPost mostram como os custos dos anúncios realmente aumentaram nas principais plataformas, medido pelo CPM médio.
Os CPMs médios aumentaram de US $ 3,60 em fevereiro para US $ 8,60 em maio e junho, de acordo com a WPromote, uma agência de publicidade de desempenho.
A oferta está a aumentar, enquanto a procura permanece praticamente a mesma com os anúncios no Facebook.
Com o aumento da concorrência, o custo por mil impressões (CPM) está a aumentar drasticamente.
De acordo com o estudo da Adexpresso, o custo inicial por 1000 impressões em 2019 era de cerca de $5,12. De acordo o estudo da Webfx, o custo médio por 1000 impressões em maio de 2020 era de $7,19.
Isto representa um aumento de preços de quase 100% durante um ano.
O desafio final: A aplicação do RGPD contra a BigTech
Existe o desafio de fazer cumprir as leis e no caso específico do RGPD pelas autoridades da União Europeia que debatem novas regulamentações para outras áreas da indústria de tecnologia, incluindo políticas antitrust e moderação de conteúdo mais rígidas.
Os críticos afirmam que o RGPD mostra que, embora a União Europeia tenha elaborado políticas digitais fortes, tem lutado para implementá-las bem.
A multa de 225 milhões de euros ao Facebook é uma fração do lucro anual, mas um princípio. A decisão foi suportada no facto de o WhatsApp não cumprir as suas «obrigações de transparência» de divulgar claramente como os dados dos utilizadores seriam usados pelo Facebook para os seus outros serviços.
A decisão exige que o WhatsApp atualize a sua política de privacidade e faça outras alterações para tornar as pessoas mais cientes de como os dados serão usados.
O caso WhatsApp gerou um debate considerável entre os países da União Europeia sobre o nível apropriado de aplicação das regras de proteção de dados da região.
O RGPD permite multas de até 4% da receita global.
O WhatsApp, que o Facebook comprou em 2014, criticou a decisão da Irlanda, dizendo que atualizou a sua política de privacidade para ser mais abrangente.
Conclusões finais:
O Facebook não é particularmente popular em Washington D.C., mas essa é uma questão totalmente distinta de ser um monopólio.
Se os poderes políticos consideram que a empresa precisa de novos tipos de regulamentação, a resposta deve ser novas leis, não redefinir o antitrust para ser sobre a implementação específica de um serviço digital não rival, destruindo a credibilidade das entidades reguladoras e fiscalizadoras ao longo do caminho.
As empresas privadas de tecnologia começam a ser mais poderosas que governos democraticamente eleitos, e isso merece um olhar atento sobre como devem prestar contas.
Dica final para legisladores e eurodeputados:
O alvo antitrust mais óbvio são as lojas de apps e não o Facebook.
Aqui existem de facto limitações ao nível de API que restringem fundamentalmente a concorrência, aumentadas por políticas de revisão de aplicações que estendem esse controlo de API muito além do controlo técnico, e neste caso não existe um ator mais destacado do que a Apple.
É aqui que o argumento da «confiança nos mercados» cai por terra, porque não há forma viável de surgir uma resposta de mercado ao duopólio iOS-Android.
Um tema para outra conversa.
Bónus 1: Como as pessoas usam o Facebook
Veja também este slidedeck da DataReportal com conhecimentos sobre como as pessoas em mais de 230 países e territórios em todo o mundo utilizam e se envolvem com conteúdos no Facebook.
Bónus 2: The Inclusive Internet Index 2021 encomendado pelo Facebook
O The Inclusive Internet Index, encomendado pelo Facebook e conduzido pela The Economist Intelligence Unit, retorna pelo seu quinto ano. O índice fornece uma referência rigorosa de inclusão da Internet em nível nacional em 120 países em quatro categorias: Disponibilidade, Acessibilidade, Relevância e Prontidão. O índice deste ano cobre 96% da população mundial. > Download The Inclusive Internet Index 2021