O que deve a Google, Facebook, Twitter fazer em relação às contas dos Talibãs, especialmente na difusão de mensagens para estabelecer a sua legitimidade?

As empresas tecnológicas reconhecem os Talibãs como o governo oficial do Afeganistão ou isolam o movimento fundamentalista e nacionalista islâmico, devido à história de violência e repressão do grupo?

Os próprios governos internacionais também estão a debater-se com esta questão.

Hoje, os executivos de tecnologia não eleitos desempenham um papel nos assuntos globais, e é, por isso, importante pensarmos no desconforto dos poderes da Internet.

A forma como os Talibãs pretendem ganhar a confiança dos afegãos é parecerem ser um governo legítimo nos meios de comunicação social, e as empresas de Internet tentam compreender como lidar com essa gestão.

A economia no Afeganistão: o que se pode esperar

Nada de bom. Os Talibãs herdam um país que é um dos mais pobres do mundo e depende em grande parte de outros para sustentar a sua economia. 

A ajuda internacional representou 43% do PIB do Afeganistão em 2020, com o apoio do Banco Mundial.

Há sinais de que a ajuda pode abrandar:

  • O FMI está a reter mais de 450 milhões de dólares que deveria enviar para o Afeganistão na segunda-feira, como parte do seu programa de ajuda COVID.
  • Os EUA congelaram cerca de 9 mil milhões de dólares em reservas internacionais detidas pelo banco central do Afeganistão e bloquearam envios em massa de dólares para o país, quando o governo entrou em colapso durante o fim de semana.

Agora, os Talibãs podem aceder a apenas 0,1% das reservas do Afeganistão, anunciou o antigo governador do banco central, Ajmal Ahmady, na terça-feira.

O resultado provável, de acordo com a previsão de Ahmady, é mais controlos de capital, depreciação da moeda e uma inflação mais elevada que conduzirá a ainda mais pobreza.

Ganhar influência económica contra os Talibãs pode ser difícil para os EUA, uma vez que o grupo opera fora dos canais bancários formais que os EUA têm tradicionalmente utilizado para aplicar sanções. 

A nova realidade das redes sociais e os Talibãs

Os Talibãs estão a usar a Internet e as redes sociais para ganhar legitimidade no Ocidente.

A última vez que os Talibãs estiveram no poder há 20 anos, a Internet e as redes sociais eram uma coisa do futuro – mas, desta vez, a tomada do Afeganistão pelos militantes levanta questões complicadas para nomes como Facebook e Twitter.

7 milhões de utilizadores com acesso à Internet no Afeganistão e a ampla adoção das redes sociais transforma o poder que uma plataforma de propaganda amplamente não regulamentada traz.

Quando a chegada do movimento islamista em Cabul gerou pânico em todo o mundo, as autoridades dos Talibãs recorreram ao Twitter para transmitir uma mensagem de calma além das fronteiras do Afeganistão.

Os Talibãs agora têm a capacidade de comunicar diretamente com o resto do mundo, bem como de controlar a narrativa dos eventos, como vêm a tentar fazer há anos no país e no exterior através das redes sociais com uma implacável campanha publicitária, capitalizando a desinformação e a falta de alfabetização mediática.

Especialistas dizem que a recente transmissão online dos Talibãs com mensagens, que parecem estar em desacordo com a crueldade e as políticas opressivas pelas quais eram conhecidos, faz parte de uma sofisticada estratégia de comunicação que visa enganar o Ocidente e disputar a legitimidade no cenário internacional após o inesperado colapso do governo afegão.

No WhatsApp, o relato do porta-voz Talibã, Zabihullah Mujahid, parece ter sido bloqueado, enquanto o Financial Times informou que uma linha de ajuda dos Talibãs no WhatsApp, permitindo que os cidadãos denunciassem saques, foi fechada.

De acordo com a reportagem do site Wired, várias pessoas estão a tentar apagar evidências das suas vidas online para evitar que os ultraconservadores as punam. 

Ao mesmo tempo, alguns cidadãos tentam de alguma forma apenas esconder essas informações para que possam utilizá-las para conseguir sair do país. 

A nova tecnologia ao serviço dos movimentos radicais

Em 2016, os insurgentes dos Talibãs mataram 12 passageiros num autocarro após exigir que todos digitalizassem as suas impressões digitais numa  máquina biométrica que verificou um banco de dados de trabalhadores da força de segurança, de acordo com um comandante do exército afegão. 

Acredita-se também que os Talibãs já usaram dados do Facebook para identificar indivíduos com relacionamentos de longa data com militares ou ONG dos EUA. É uma técnica semelhante à implantada por Ísis no Iraque, que vasculhou o Facebook à procura de contactos daqueles considerados opositores.

A Human Rights First também elaborou uma guia rápido sobre como evitar a tecnologia de reconhecimento facial e a biometria. “Ouvimos dizer que os Talibãs têm mão em parte disso”, comentou Brian Dooley, consultor sénior da Human Rights First. Há rumores de que os Talibãs têm acesso a um banco de dados biométrico das forças dos EUA durante a sua rápida tomada no Afeganistão, o que facilitaria a identificação de indivíduos de interesse.

Banir grupos e pessoas do WhatsApp não é tão simples como em plataformas como Facebook e Instagram, porque as mensagens são criptografadas de ponta a ponta, o que significa que apenas as pessoas envolvidas na troca de textos, fotos e vídeos conseguem ter acesso.

Segundo a reportagem da Vice, os Talibãs têm conhecimento da segurança criptografia e utilizam a app para espalhar mensagens para os cidadãos enquanto eles tomam conta do país. 

De acordo com o artigo da revista, o uso das mensagens por WhatsApp facilitou a comunicação para os Talibãs tomarem conta tão rápido do Afeganistão.


O Facebook, a tecnologia e o Afeganistão

O Facebook proibiu durante anos as contas relacionadas com os Talibãs como parte da sua política para «organizações perigosas», e a empresa anunciou esta semana que vai continuar a remover as contas e publicações Talibãs, que apoiam o grupo. 

Os Talibãs controlam agora um país, mas não estão autorizados a criar um grupo no Facebook.

Alinhados com as sanções dos EUA contra os Talibãs afegãos, o YouTube informou que também iria remover as contas que acredita serem operadas pelo grupo. 

O Twitter não tem uma proibição geral, mas afirmou à CNN que quaisquer mensagens ou vídeos devem obedecer a regras que proíbam o que considera discurso de ódio ou incitação à violência. 

As empresas de Internet dos EUA são guiadas pelas leis do seu país de origem e dos países em que operam e aceitam as suas sugestões da comunidade internacional.
Mas, em última análise, estas são empresas privadas que devem fazer as suas próprias escolhas.

Foi o Facebook, o YouTube e o Twitter que decidiram, em janeiro, que as palavras do então presidente Donald J. Trump poderiam inspirar violência adicional se fossem aclamadas nos seus sites. 

O Twitter teve de fazer uma escolha quando o governo da Índia lhe ordenou que eliminasse o que a liderança do país considerava discurso subversivo e outros acreditavam ser essencial a livre expressão numa democracia. 

O Facebook optou (por negligência e não por uma decisão ativa) ao não intervir quando os militares de Myanmar transformaram a rede social num instrumento de limpeza étnica.

Em cada caso, os executivos de tecnologia, na sua maioria nos Estados Unidos, tinham de tomar decisões consequentes que reverberavam para os cidadãos e líderes eleitos. 

Ao contrário dos governos, as empresas de Internet não enfrentam praticamente nenhuma responsabilidade perante o público se as pessoas não concordarem com as suas decisões. 

Os cidadãos não podem votar para que Mark Zuckerberg saia do cargo.

Os magnatas dos média têm ajudado a iniciar guerras e a eleger os seus candidatos preferidos. A posição do Facebook, YouTube e outras empresas de Internet dos EUA é diferente. Os seus produtos tornaram-se tão amplamente utilizados que a sua influência não é realmente uma escolha. Devem agir como diplomatas, quer queiram, quer não.

As empresas de tecnologia na Internet queriam mudar o mundo e mudaram. 

Agora tornaram-se tão poderosas que têm de tomar decisões difíceis sobre um mundo imperfeito. Vivemos todos com as consequências.