Nascido em São Tomé e Príncipe em 1992, Jorge Fonseca chegou a Portugal com 11 anos. Começou a praticar judo numa escola na Damaia, sendo hoje atleta do Sporting Clube de Portugal.
Ao ouvir a peça no jornal da tarde da RTP, sobre Jorge Fonseca ter ganho a medalha de bronze no Torneio Olímpico de Judo, categoria de -100kg, pensei no enquadramento das adversidades dos atletas olímpicos e da visibilidade na área da comunicação.
Jorge superou um cancro, é bicampeão do mundo e atual segundo do ranking mundial, tudo sem grandes apoios financeiros ou marcas. O judoca português bateu nos Jogos Olímpicos, em combate de atribuição do terceiro lugar, Shad Elnahas, do Canadá.
No panorama geral, a primeira reflexão é sobre o mérito do ensino público – desporto escolar e do seu treinador que, ao longo dos anos, acompanha a sua jornada e incentiva o desenvolvimento do bicampeão mundial, e atualmente medalhado olímpico, e de inúmeros alunos que aspiram a sê-lo.
As notícias relatam que, no combate pelo pódio, o treinador e ex-judoca Pedro Soares não pode dar indicações com os combates a decorrer, mas fê-lo mais de uma vez, sendo por isso expulso da cadeira junto ao tatami.
O treinador sentiu que Jorge estava a precisar de um incentivo e sabe que tem uma influência muito grande sobre o judoca e por isso arriscou. Foi já do lado de fora que viu a conquista do seu pupilo, por waza-ri, frente ao canadiano Shady Elnahas.
«Teve de ser o meu treinador a motivar-me. Disse-me que tinha de ir buscar o bronze, fez-me acreditar que era possível. Fui buscar o que era meu, o bronze, mas eu quero mais, quero mais. O ouro em Paris», prometeu Jorge Fonseca.
A vitória é outra: Introdução
«Vou dedicar esta medalha à Adidas e à Puma porque disseram que eu não tinha capacidade para ser representante. Dedico esta medalha aos dirigentes da Puma e da Adidas. Já mostrei que sou bicampeão do mundo e terceiro nos Jogos Olímpicos. Qual o estatuto que preciso mais para ser representado pela Adidas ou pela Puma?», questionou.
Na mesma entrevista, Jorge Fonseca destacou que quer «ser o melhor de todos os tempos no desporto nacional».
«Sou bicampeão do mundo. O meu lugar é no ouro. Eu trabalho para o ouro todos os dias. Não trabalho para o bronze», disse a propósito da primeira medalha conquistada por Portugal nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Medalha olímpica – Parte 1: Risco pandémico
Os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos decorrem até 8 de agosto em Tóquio.
O pano de fundo está longe de ser o ideal.
Os casos de COVID-19 aumentaram em Tóquio, levando a cidade a anunciar o seu quarto estado de emergência desde o início da pandemia.
O aumento do número de casos é especialmente preocupante porque a taxa de vacinação do país permanece baixa.
Apenas 18% da população do Japão está totalmente vacinada.
No entanto, o Comité Olímpico Internacional avançou, já que estão em jogo milhares de milhões de dólares em custos irrecuperáveis, bem como milhares de milhões em potenciais receitas.
Os peritos receiam que o fluxo de 100 mil pessoas durante os jogos possa piorar a COVID-19 no Japão, apesar das medidas de segurança.
Os atletas são testados a vários intervalos e é necessário descarregar uma aplicação de rastreio de contactos. Não há audiência expressiva nos locais e nos arredores de Tóquio.
Mas os sustos acontecem na competição desportiva como a equipa de atletismo da Austrália, colocada em isolamento na quinta-feira, quando um surto de coronavírus causou novos nervos na véspera da prova de atletismo, em Tóquio. Quase 60 atletas e funcionários ficaram confinados nos quartos após saber-se que o campeão mundial de salto com vara dos EUA, Sam Kendricks, testou positivo para COVID-19.
Talvez não seja surpresa, então, que as sondagens revelam que mais de 80% dos japoneses não querem que os jogos se realizem.
Em resumo, há um risco para os próprios atletas de alta competição, para as suas famílias, colegas de equipa e amigos de estarem num ambiente adverso física e mentalmente às condições normais de competição internacional.
Animador não será.
Medalha olímpica – Parte 2: Dinheiro
Quanto recebe um atleta olímpico?
Ser um dos melhores do mundo num desporto olímpico tem um preço.
Muitos atletas economizam e procuram maneiras de arrecadar dinheiro por conta própria. Aceitam empregos paralelos, mas a sua ocupação a tempo integral é o treino mesmo quando os seus corpos precisam de descanso.
Portugal faz-se representar com 92 atletas olímpicos para conquistar medalhas em 17 modalidades oficialmente confirmadas.
A realidade financeira é difícil para a maioria dos atletas olímpicos.
Os atletas portugueses que se esforçam para as Olimpíadas geralmente são deixados por conta própria em termos de financiamento de treino e viagens durante a maior parte das suas carreiras.
Os acordos lucrativos de patrocínio não são abundantes.
As grandes marcas não estão a atropelar-se para fechar negócios gigantescos em desportos como judo, arco e flecha, ou arriscar num atleta que pode não entrar na seleção olímpica.
Se não é um nome conhecido, provavelmente não está no topo da cadeia alimentar de patrocínios.
Os atletas que competem nas Olimpíadas não são amadores.
Portugal paga 40 mil euros a quem ganhar o ouro olímpico, 25 mil euros para a prata e 17,5 mil euros para o bronze, quantia que Jorge Fonseca vai receber pelo seu terceiro lugar no judo.
Quem mais gostaria de fazer algo em que é excelente a tempo inteiro e não ser pago?
Cada vez que os jogos olímpicos se realizam, há uma infinidade de histórias sobre atletas em apuros financeiros – uma remadora que vive perto da linha de pobreza, um patinador de velocidade que se inscreveu para vale-refeição, dezenas de atletas que iniciaram campanhas de crowdfunding GoFundMe para tentar financiar as suas ambições.
E essas são pessoas que mais ou menos se deram bem no desporto, sem falar nos que ainda estão em ascensão.
A glória de ganhar uma medalha de ouro é um grande incentivo para os atletas que competem em Tóquio, mas os bónus em oferta adicionam outra dimensão mais lucrativa aos jogos.
O tamanho do bónus em oferta varia conforme o país. Por exemplo, os atletas ingleses não recebem um bónus por ganhar uma medalha de ouro, enquanto os atletas americanos recebem $ 37.500 para cada ouro que levam para casa, de acordo com o site Swim Swam.
A Inglaterra, como várias outras nações europeias, oferece aos seus atletas financiamento e condições de treino durante o ano todo, em vez de um pagamento abundante.
Os atletas bem-sucedidos da Indonésia recebem um prémio de US $ 746.000. Singapura oferece aos atletas olímpicos de sucesso cerca de US $ 744.000.
Não é necessariamente um segredo que muitos atletas não são ricos e que treinar para um desporto de elite é caro.
Ainda assim, muitos portugueses presumem que os atletas recebem mais apoio financeiro do que eles.
E os patrocínios?
Na América, dificilmente se pode assistir TV ou navegar na internet sem encontrar um anúncio de Simone Biles. A ginasta da medalha de ouro olímpica conseguiu muitos acordos de patrocínio bem merecidos e bem pagos. Mas ela é a exceção, não a regra.
Um exemplo das diretrizes estabelecidas pelo USOPC sobre os tipos de anúncios que são e não são permitidos durante as Olimpíadas. Orientação da Regra 40 da USOPC Tóquio 2020
De acordo com uma pesquisa com atletas de elite de 48 países, mais de metade são financeiramente instáveis.
A pesquisa foi feita antes da pandemia, o que tornou a situação financeira de muitos atletas olímpicos ainda pior porque muitas competições (que, muitas vezes, se traduzem em dinheiro) foram canceladas.
Por mais impressionante que alguém como Simone Biles ou Michael Phelps tenha sido, as suas histórias são contadas e as suas realizações são relatadas e analisadas.
Mas há histórias incríveis de pessoas que realmente precisam de trabalhar em empregos regulares, dependendo de onde estão no mundo, para ganhar dinheiro apenas para poder viver e estão a fazer o seu treino em cima dessas responsabilidades.
Atletas como Simone Biles e Michael Phelps são discrepantes e não estão ao nível da realidade portuguesa, relativamente aos seus contratos de patrocínios de tamanho descomunal.
Considerando que os Jogos Olímpicos são de 4 em 4 anos, não são 17 mil que enchem o olho durante tantos meses de trabalho. Ajuda, mas… animador não será.
Medalha olímpica – Parte 3: Interesse
Há menos pessoas pelo mundo a ver desporto, mas o futebol ainda é de longe a programação televisiva mais popular.
Milhões de fãs de desporto em todo o mundo assistem às Olimpíadas, mas uma pesquisa recente da The Morning Consult revelou que apenas cerca de 40% da Geração Z planeava assistir aos Jogos Olímpicos de Tóquio e, embora isso seja inferior aos mais de 50% das outras gerações que planeava assistir, é ainda um número elevado.
Há vinte anos, com tão poucas opções de canais de televisão, não havia realmente outra alternativa senão assistir aos Jogos Olímpicos quando estes começavam. Para uma geração que cresceu com plataformas de streaming para atender a todas as fantasias, os jovens tornaram-se mais esperançosos sobre a capacidade de ver o que quiserem, quando quiserem.
A Índia foi o país com maior interesse nas Olimpíadas.
A Bélgica foi o país com menor interesse.
O desporto precisa de mais promoção, em especial a projeção da televisão, e os donos de redes de televisão precisam de desporto.
Quer se veja futebol ou não, todos sabemos os milhões de euros que as redes de televisão pagam pelos direitos de TV da Champions, da Primeira Liga – principal escalão do sistema de ligas de futebol de Portugal que se traduzem em audiências mais altas para a televisão por cabo ou satélite ou pacotes de televisão online como o YouTube TV.
É uma dança complicada.
A NBC americana pagou US $ 7,7 mil milhões pelos direitos de transmissão para exibir as Olimpíadas até 2032 e já vendeu US $ 1,25 mil milhões em anúncios para os jogos de Tóquio.
A Associated Press estima que o Comité Olímpico Internacional (COI), que faz a gestão dos Jogos Olímpicos, ganhará entre US $ 3 mil milhões a US $ 4 mil milhões em direitos de televisão nos Jogos Olímpicos de 2020.
No entanto, grande parte dessa riqueza não será partilhada com os ativos mais valiosos do evento: os próprios atletas.
Cerca de 11 mil atletas estão a competir nos Jogos Olímpicos de 2020 e 4 mil atletas nas Paraolimpíadas (que começam no final de agosto).
A realidade é que os desportos de outras modalidades que não futebol são apenas uma peça de programação num oceano.
As pessoas não têm o hábito de assistir a desportos, em grande medida porque o apelo na TV portuguesa é a gratificação instantânea, a facilidade das emoções humanas em entretenimento de sopa passada, dada à boca.
Apresentadores e produção têm o seu mérito na execução e estratégia, mas sobra pouco espaço para a realidade de outras prescritivas.
- Quem Quer Namorar Com O Agricultor? (SIC)
- Passadeira Vermelha (SIC)
- Alô Marco Paulo (SIC)
- Fama Show (SIC)
- Amor Acontece (TVI)
- entre outros.
O entretenimento é, no campo da informação, o docinho, as guloseimas. São muitos doces, fáceis ao paladar.
O grande consumo de informações de baixa qualidade impede o indivíduo de pensar em conteúdos diferentes.
A passividade é fomentada e desencadeia a obesidade mental.
A gratificação instantânea do sucesso.
Atletas olímpicos treinam dias, meses e anos para o aperfeiçoamento ao mais alto nível e não têm o palco merecido.
Pela via da visibilidade, também não será animador.
Medalha olímpica – Parte 4: Legado histórico
A verdadeira mudança requer organização deliberada, concessões, desconforto individual e solidariedade inabalável.
«Marca de touca de natação de empresários negros feita para tipos de cabelo mais grossos impedida nos Jogos Olímpicos de Tóquio.»
«Atletas da Namíbia banidos dos Jogos Olímpicos por causa dos níveis “elevados” de testosterona.»
Embora estas notícias tenham diminuído, a questão mais ampla de se priorizar a justiça racial estrutural em detrimento da navegação de indivíduos negros e, possivelmente dominar e reformar, essa estrutura merece um trabalho mais aprofundado.
Qual é a melhor maneira de responsabilizar a comunidade atlética internacional pelo potencial enfraquecimento financeiro e social com exemplos de Berry, Richardson, McNeal, Christine Mboma, Beatrice Masilingi?
A realidade é que os atletas sempre foram vistos principalmente como físicos. Não foram reconhecidos em termos da legitimidade das suas preocupações sociais, psicológicas ou mesmo espirituais, como Muhammad Ali descobriu.
Com as redes sociais, os atletas assumiram o controlo do seu próprio contexto de definição. Naomi Osaka ou Simone Biles podem ficar online e apresentar os seus argumentos. Não precisam de se sentar e discutir com algum jornalista que não as conhece, que não conhece as suas comunidades, famílias, problemas, desafios, visão.
As redes sociais fazem uma diferença tremenda, e isso mudou as coisas.
É aqui que entra a grande vitória de Jorge Fonseca, que soma à medalha.
Aproveitou um grande meio da TV, para com a sua autenticidade, colocar as marcas numa posição de alerta máximo.
Os Jogos Olímpicos de 2020 serão bem diferentes dos Olímpicos em anos anteriores, incluindo a sua economia.
As marcas que procuram vender para um público local estão presas sem espetacdores devido à COVID-19. Os organizadores não conseguirão confraternizar com os patrocinadores como fariam em tempos normais.
Uma constante: os atletas continuam a ser as estrelas do espetáculo, durante e após a participação nesta difícil competição, para a qual treinaram anos.
E é importante pensar como podem ser pagos de forma mais justa a nível global.
Vale a leitura:
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