As práticas de recolha de informação pessoal de serviços digitais gratuitos que vendem anúncios, cujos fornecedores de serviço são a Google, Facebook, Amazon e outras Big Tech, têm um enquadramento percetível para o comum dos mortais.
A citação é atribuída a Andrew Lewis (2010).
«If you’re not paying for the product, you are the product.»
Pagar por um produto e ser o produto.
A Common Sense Media, grupo de defesa sem fins lucrativos para crianças e famílias, publicou esta semana um relatório em que descreve que a maioria dos serviços de streaming e gadgets de streaming para TV, tais como a Netflix e Disney+, não cumprem os requisitos mínimos das boas práticas de privacidade e segurança.
A única exceção foi a Apple.
O relatório descreve que os produtos de entretenimento de streaming, pelos quais as pessoas pagam, praticam os mesmos hábitos da gestão e recolha de dados de sites como o Facebook e a Google que ganham o seu dinheiro a alugar espaço digital, nomeadamente no comércio dos nossos dados para publicidade.
A organização partilhou que as empresas de streaming estão a guardar dados que recolhem dos lares e a abrir exceções às suas práticas de informação.
A Common Sense Media examinou as políticas de privacidade de 10 serviços de vídeo online, como a HBO Max, e cinco dispositivos de streaming, incluindo da Amazon’s Fire TV. A organização também criou sistemas informáticos para seguir a rota da informação digital.
A Common Sense Media descobriu que a maioria das empresas poderia utilizar informação sobre o que as pessoas fazem nos seus serviços para adaptar anúncios a clientes em toda a Internet ou permitir que outras empresas fizessem o mesmo. Verificou que muitas das empresas de streaming canalizaram dados para as empresas de publicidade da Amazon e do Google.
Crianças, Dados e a Google
A Google afirma que está a planear medidas adicionais de privacidade para proteger os utilizadores adolescentes do YouTube.
A Google é a mais recente gigante da tecnologia a adotar padrões mais rígidos perante as críticas de que as empresas não fazem o suficiente para proteger as crianças.
Num recente artigo no seu blog, a Google anunciou que os vídeos enviados no YouTube por utilizadores de 13 a 17 anos seriam privados por padrão, permitindo que o conteúdo fosse visto apenas pelos utilizadores e pessoas designadas por eles.
A Google também vai começar a permitir que qualquer pessoa com menos de 18 anos, ou um dos pais responsável, solicite a remoção das imagens desse menor dos resultados de pesquisa do Google Images.
Não está claro se esse processo será fácil e pouco burocrático, considerando a relutância histórica do Google em remover itens dos resultados de pesquisa.
Além disso, a Google disse que desativaria o histórico de localização para todos os utilizadores menores de 18 anos e eliminaria a opção de ativá-lo novamente.
A Google tem enfrentado repetidamente o escrutínio sobre a forma como os dados são utilizados, especialmente de crianças.
Em 2019, a gigante tecnológica concordou em pagar uma multa de US $ 170 milhões ao recolher dados de crianças sem o consentimento dos pais.
A empresa garantiu ainda que vai bloquear anúncios personalizados com base na idade, género ou interesses para menores de 18 anos.
No entanto, vai continuar a permitir anúncios baseados no contexto, como as solicitações de termos de pesquisa de um utilizador.
Crianças, Dados e o Instagram
O anúncio da Google vem no seguimento das mudanças reveladas em junho para proteger utilizadores adolescentes no Instagram.
O Facebook, dono do Instagram, disse que mudaria a sua política de publicidade para reduzir os anúncios hiperdirecionados para adolescentes.
Os anunciantes no Instagram e no Facebook, que antes usavam os interesses e as atividades das pessoas em outros sites para direcionar os seus anúncios, agora só podem usar idade, género e localização para exibir anúncios para utilizadores menores de 18 anos.
As novas contas no Instagram criadas por menores de 16 anos também serão privadas por padrão, o que significa que os posts da conta só podem ser vistos por seguidores aprovados.
Em 2017, o Facebook criou o Facebook Messenger Kids, uma app autónoma projetada para crianças como uma alternativa mais segura ao Facebook Messenger comum a todos os utilizadores.
Atualmente, o Facebook está a desenvolver um Instagram para crianças menores de 13 anos.
Tanto o Facebook como a Google dizem estar a limitar a capacidade dos profissionais de marketing em direcionar publicidade aos adolescentes, mas de maneiras ligeiramente diferentes.
O Facebook disse que os anunciantes seriam capazes de atingir pessoas menores de 18 anos com base apenas na sua idade, sexo e localização – e não com base nos seus interesses ou atividades em outras apps e sites.
Crianças, Dados e a Apple
O lucro da Apple apenas dos últimos três meses (21,7 mil milhões de dólares) foi quase o dobro dos lucros anuais combinados das cinco maiores companhias aéreas americanas na fase pré-pandemia, em 2019.
O gerador de receitas é o iPhone, um coletor glutão de informações do utilizador. Os dispositivos transmitem dados de localização bem como informações sobre o uso de Wi-Fi e internet para os servidores da Apple, mesmo quando pensamos que os dispositivos estão a dormir.
Esse tipo de dados permite à Apple um rastreamento assustadoramente preciso dos proprietários de iPhones, incluindo o seu paradeiro, tendências políticas, emprego e status familiar, etnia e património líquido.
Uma preocupação particular em torno da iniciativa de digitalização de fotos é que os países podem obrigar a Apple a usar a tecnologia para os seus próprios fins, aos quais a Apple diz que vai resistir.
Mas, pela porta do cavalo, a Apple tornou os dados dos utilizadores chineses acessíveis ao governo chinês, como noticiou o New York Times, um truque que permite à empresa dizer que não entrega as informações diretamente.
A Apple pode não agir da mesma forma onde os seus interesses comerciais o exigem.
A empresa recebeu aplausos, por lançar uma opção este ano para impedir que as apps rastreiem a atividade dos utilizadores enquanto navegam na web móvel.
Mas o rastreamento foi habilitado em primeiro lugar por algo que a Apple criou, chamado de «identificador para anunciantes», que ativou a mangueira de incêndio de dados pessoais disponíveis aos profissionais de marketing para fins de anúncios direcionados.
Se a Apple acredita que o rastreamento é um anátema para a privacidade, por que não desabilitar o próprio identificador ou desabilitar o rastreamento como padrão?
A Common Sense Media afirmou que a Apple nem sempre cumpre os seus ideais declarados, mas tinha proteções mais fortes no seu serviço de vídeo em streaming Apple TV+ e no seu aparelho de ligação de TV chamado Apple TV do que os outros prestadores de serviços.
Crianças, Dados e a Amazon
A Amazon controla diretamente as horas que os camionistas passam a transportar carga entre os seus armazéns, tendo uma melhor visão sobre possíveis violações de segurança – e captar uma riqueza de outros dados.
O retalhista da Internet desenvolveu a sua própria versão de uma tecnologia, conhecida como dispositivo de registo eletrónico, para acompanhar os camionistas que transportam a sua carga em tempo real.
Em abril de 2021, tornou-se público que a Amazon reconhecia que há trabalhadores que têm de urinar em garrafas.
Como gigante do mercado de grande consumo, chegou um novo alto-falante ao mercado que vem com um design de panda ou tigre – e é anunciado como uma ferramenta de aprendizagem, permitindo que as crianças «se divirtam e aprendam com Alexa».
Mas os críticos disseram que os pais devem lembrar-se que também estará a captar dados sobre os seus filhos.
A Amazon declarou que impôs protocolos de segurança rígidos ao dispositivo.
«Conduzimos testes e pesquisas robustas e temos medidas rígidas em vigor para Echo Dot Kids, Amazon Kids e Amazon Kids + que protegem as crianças e fornecem aos pais transparência e controlo sobre a experiência, criando um espaço seguro no qual as crianças podem aprender e divertir-se», disse a empresa à BBC.
O dispositivo vem com um ano de Amazon Kids, que oferece conteúdo específico para Alexa, como audiolivros.
Em 2019, grupos de proteção e privacidade infantil apresentaram uma queixa nos EUA à Federal Trade Commission, solicitando que investigasse o Echo Dot Kids. Embora o dispositivo oferecesse controlo aos pais, não oferecia aos pais controlo sobre como a Amazon interagia com os dados dos seus filhos.
A Common Sense Media disse que os esforços da Amazon, para oferecer propor aos clientes consentimento informado, eram excessivamente complicados.
Por exemplo, a organização partilhou que a Amazon pediu às pessoas num gadget de Fire streaming para clicarem em 25 políticas para utilizarem o dispositivo, mais duas para utilizarem o seu assistente de voz Alexa.
Para reflexão:
Nem toda a recolha ou utilização dos nossos dados é necessariamente prejudicial. As empresas de streaming utilizam a informação das pessoas para nos ajudar a redefinir uma palavra-passe esquecida e garantir que podemos ver filmes e séries, quando saltamos de um smartphone para um aparelho de televisão.
O problema que a Common Sense Media destacou é que, com exceções limitadas, as pessoas não têm transparente o que as empresas fazem com toda a informação que recolhem sobre nós.
Na sua maioria, temos de confiar em documentos legais que oferecem uma ilusão de controlo e pensar nos riscos hipotéticos do que poderia correr mal com as nossas informações pessoais no meio selvagem.
Esta condição contribuiu para a desconfiança dos americanos em relação às empresas de tecnologia e preocupações sobre o que acontece aos nossos dados pessoais.